Bolcheviques Fuzilando Anarquistas

Emma Goldman
Alexander Berkman

 

Acabamos de receber a seguinte carta de nossos companheiros Emma Goldman e Alexander Berkman, que estão agora ilhados em Estocolmo. Esta carta nos mostra a verdade sobre a terrível perseguição dos anarquistas na Rússia. Pedimos que todos os jornais anarquistas e sindicalistas republiquem esta carta, e esperamos que os companheiros neste país ajudem-nos a pressionar a venda desta edição, a qual imprimimos em um número muito maior do que o comum.


 

Caros companheiros,

A perseguição dos elementos revolucionários na Rússia não se abateu com as mudanças nos planos políticos e econômicos dos bolcheviques. Pelo contrário, ela se tornou mais intensa, mais determinada. As prisões da Rússia, da Ucrânia, da Sibéria, estão cheias de homens e mulheres – sim, em alguns casos, com meras crianças – que ousam manter visões que diferem daquelas do Partido Comunista dominante. Nós dizemos “manter visões” como conselho, pois na Rússia de hoje não é de forma alguma necessário expressar sua dissensão em palavras ou agir para estar sujeito à prisão; a mera manutenção de visões opostas te torna uma presa legítima daquele que é de fato o poder supremo da terra, a Tcheka, aquela Okhrana bolchevique todo-poderosa, cuja vontade não conhece lei ou responsabilidade.

Mas de todos os elementos revolucionários na Rússia, são os anarquistas que agora sofrem a perseguição mais brutal e sistemática. Sua supressão pelos bolcheviques começou já em 1918, quando – no mês de abril daquele ano – o governo comunista atacou, sem provocação ou aviso, o Clube Anarquista de Moscou e pelo uso de metralhadoras e artilharia “liquidou” a organização inteira. Foi o começo da caça aos anarquistas, mas ela foi esporádica em caráter, surgindo esporadicamente, completamente não planejada, e frequentemente autocontraditória. Desse modo, publicações anarquistas seriam hora permitidas, hora suprimidas; anarquistas presos aqui, somente para serem libertados ali; algumas vezes executados, e então de novo importunados para aceitar as posições mais responsáveis. Mas essa situação caótica foi terminada pelo 10º Congresso do Partido Comunista Russo, em abril de 1921, no qual Lenin declarou guerra aberta e impiedosa contra não somente os anarquistas, mas contra “todas as tendências pequeno-burguesas anarquistas e anarcossindicalistas” onde quer que fossem encontradas. Foi aí que começou o extermínio sistemático, organizado e cruel dos anarquistas na Rússia dominada pelos bolcheviques. No mesmo dia do discurso de Lenin, fileiras de anarquistas, anarcossindicalistas e seus simpatizantes foram presas em Moscou e Petrogrado, e no dia seguinte prisões por atacado de nossos companheiros tiveram lugar por todo o país. Desde então, a perseguição continuou com violência aumentada, e se tornou bem aparente que, quanto maiores as concessões que o regime comunista faz ao mundo capitalista, mais intensa é a perseguição dos anarquistas.

Se tornou a política assentada do governo bolchevique mascarar seu procedimento bárbaro contra nossos companheiros pela acusações uniforme de banditismo. Essa acusação é agora feita praticamente contra todos os anarquistas presos, e frequentemente mesmo contra meros simpatizantes de nosso movimento. Um método fortemente conveniente, pois por ele qualquer um pode ser secretamente executado pela Tcheka, sem audiência, julgamento ou investigação.

A guerra de Lenin contra as tendências anarquistas tomou a mais revoltante forma asiática de extermínio. Em setembro último, numerosos camaradas foram presos em Moscou, e, no dia 30 desse mês, o Izvestia publicou a declaração oficial de que dez dos anarquistas presos tinham sido executados “como bandidos”. Nenhum deles recebeu um julgamento ou mesmo uma audiência, nem foi permitido que fossem representados por um advogado ou visitados por amigos ou parentes. Entre os executados, estavam dois dos anarquistas russos mais conhecidos, cujo idealismo e devotação vitalícia à causa da humanidade havia resistido ao teste das masmorras e do exílio czaristas, e a perseguição e o sofrimento em vários outros países. Eles eram Fanny Baron, que havia escapado da prisão em Ryazan há vários meses atrás, e Lev Tchorny, o popular palestrante e escritor, que passou vários anos de sua vida na katorga siberiana por suas atividades revolucionárias sob os czares. Os bolcheviques não tiveram coragem de dizer que haviam executado Lev Tchorny; na lista dos executados, ele aparecia como “Tuchaninoff”, que – apesar de ser seu nome real – era desconhecido até mesmo para alguns de seus amigos mais próximos.

A política de extermínio está continuando. Há várias semanas atrás, mais prisões de anarquistas tiveram lugar em Moscou. Desta vez, foram os anarquistas universalistas que foram as vítimas – o grupo que mesmo os bolcheviques sempre consideraram os mais amigáveis a eles mesmos. Entre os presos, estavam também Askaroff, Shapiro e Stitzenko, membros do secretariado da seção de Moscou dos universalistas, e bem conhecidos pela Rússia. Essas prisões tão ultrajantes foram a princípio consideradas pelos companheiros como devidas à ação não autorizada de algum agente tchekista ultrazeloso. Mas desde então recebemos informações que nossos companheiros universalistas estão sendo acusados oficialmente de serem bandidos, falsificadores, makhnovistas e membros do “grupo subterrâneo de Lev Tchorny”. O que tais acusações significam é conhecido bem demais para aqueles familiares com os métodos bolcheviques. Elas significam razstrel, a execução por fuzilamento, sem audiência ou aviso.

O diabolismo do propósito dessas prisões e acusações é quase inacreditável. Ao acusar Askaroff, Shapiro, Stitzenko e outros de serem “membros do grupo subterrâneo de Lev Tchorny”, os bolcheviques tentam justificar seu fétido assassinato de Lev Tchorny, de Fanny Baron e dos outros companheiros executados em setembro; e, por outro lado, criar um pretexto conveniente para fuzilar mais anarquistas. Podemos assegurar aos leitores irrestrita e absolutamente que nunca houve um grupo subterrâneo de Lev Tchorny. A alegação do contrário é uma mentira atroz, uma de muitas outras similares espalhadas pelos bolcheviques contra os anarquistas com impunidade.

Já passou da hora de o movimento operário revolucionário do mundo tomar conhecimento do regime de sangue e assassinato praticado pelo governo bolchevique contra todos aquelas de mentalidade politicamente diferente. E é imperativo para os anarquistas e anarcossindicalistas, em particular, a tomada de ação imediata em direção à colocada de um fim a tal barbarismo asiático, e para salvar, se ainda possível, nossos companheiros de Moscou aprisionados e ameçados com a morte. Alguns dos anarquistas presos estão prestes a declarar uma greve de fome até a morte, como sua única forma de protesto contra a tentativa bolchevique de ultrajar a memória do mártir Lev Tchorny depois que o mataram de maneira repugnante. Eles exigem o apoio moral em massa de seus companheiros. Eles têm o direito de exigir isso, e mais. Seu autossacrifício sublime, sua devoção vitalícia à grande causa, sua firmeza indefectível, tudo lhes autoriza isso. Companheiros, amigos, em todas as partes! Cabe a vocês ajudar a vingar a memória de Lev Tchorny e, ao mesmo, salvar as preciosas vidas de Askaroff, Shapiro, Stitzenko e outros. Não se atrase ou pode ser tarde demais. Exijam do governo bolchevique os supostos documentos de Lev Tchorny que eles fingem ter, que “envolvem Askaroff etc. no grupo de bandidos e falsificadores de Lev Tchorny”. Tais documentos não existem, a menos que sejam forjados. Desafiem os bolcheviques a os produzirem, e deixem que a voz de cada revolucionário honesto e ser humano decente se eleve em um protesto mundial contra a continuação do sistema bolchevique de assassinato repugnante de seus oponentes políticos. Apressem-se, pois o sangue de nossos companheiros está fluindo na Rússia.

 

Publicado originalmente como
“Bolsheviks Shooting Anarchists”
em Freedom, Londres, janeiro de 1922
Traduzido por Cami Álvares Santos