Gregor Jamroski
Seção Um
Fundada na essência enganosa da função da música pop dentro do capital avançado, a revolta pop de hoje só pode mentir para si mesma quanto a sua radicalidade. Os termos pop opositor, música rebelde e bandas radicais são termos inventados. A imprensa de música alternativa, os fanzines amplamente distribuídos produzidos por pessoas descontentes mal-informadas e aspirantes a jornalistas, gosta de rotular as bandas como o centro de gravidade para um movimento de negatividade contra o Poder e a autoridade. Despida da bagagem ideológica encontrada na letra de uma música, uma entrevista ou nas frases de efeito inscritas em discos e capas de fitas cassete, nossas e nossos rebeldes da música proliferam a cada passo de sua atividade as formas alienantes da sociedade contra a qual alegam se rebelar.
Desde seu início, a rebelião da música pop, que somente aparentemente começou com o Sex Pistols, era uma rebelião mirada na indústria musical. A indústria da música pop, como qualquer outra indústria, atribui a mercadorias uma habilidade mística para a satisfação das necessidades e dos desejos – ou ela cria necessidades e desejos, apesar de falsos. Coincidindo com a reconstrução pós-guerra e a base crescentemente afluente ligada a isso, a cultura pop se tornou o discurso para o arranjo de mercadorias disponíveis para a juventude: carros rápidos (o automóvel como o sinal, no sentido semiótico, da prosperidade) sendo somente o exemplo mais superficial e marcante. Durante os anos 1960, a cultura pop era a reificação da oposição contra a guerra do Vietnã, a “revolução” sexual, a experimentação com drogas psicoativas, e a rejeição da vida material – entre outras coisas. Durante o começo dos anos 1970, de Bowie a Yes e de volta à Roxy Music, o escapismo fantasioso do glam-rock e da música “progressiva” crescentemente separou a cultura pop, em sua ideologia, de sua base social – a juventude.
A música do Top 40 e do Top of the Pops se tornou uma grande piada com sua infindável promoção dos aspectos mais facilmente perceptíveis da cultura dominante. O punk emergiu como uma rebelião para retomar o controle cultura que a juventude não mais possuía ideologicamente, criando uma crise que meramente assegurou a atualização do espetáculo pop. Enquanto protagonistas do punk anunciaram o movimento como a vanguarda artística, cultural e política, ele não era mais que uma representação recuperativa de uma consciência já em trabalho.
Incluindo toda ideologia política disponível no mercado, e mercadificando toda ideologia política, a última fase da rebelião pop foi sem dúvida uma representação da forças mais críticas arranjadas contra o capital avançado: forças que primeiro emergiram coletivamente na França durante Maio de 68. A rebelião do punk ofereceu, como ainda oferece, a crítica política em uma gama de assuntos, entre eles: papéis sexuais, rotinas mortas, estruturas autoritárias, trabalho, racismo, capitalismo, tumultos, e a redução da vida a mera sobrevivência. Apesar da radicalidade encontrada em tais críticas, o punk rapidamente passou por uma reversão de qualquer potencial de força subversiva que possuía: uma característica do todo do capital avançado e de sua habilidade em recuperar sua oposição.
Enquanto o punk, assim como seus frutos recentes, apresentou uma crítica parcial da dominação, ele falhou em criticar, como a juventude continua a ser enganada, o uso da cultura pop pela cultura dominante e a dominação inerente na forma de pop. É talvez esta falha o que levou às mutações no punk – post-punk, hardcore, oi, minimalismo, industrial etc., as quais todas alegam conter a criticalidade do punk inicial – e a proliferação de formas ainda mais óbvias de dominação: fanzines, organizações “por punks e para punks” que, principalmente, organizam apresentações, ocasionalmente lançam discos etc., e lidam com o dinheiro do movimento que “o mantém no movimento”. A partir daqui, é com uma análise mais detalhada da forma de dominação na cultura pop que, talvez, uma subversão mais efetiva da cultura pop pode ser colocada em uso.
Seção Dois
A alienação do espectador ao lucro do objeto contemplado (o qual é o resultado de sua própria atividade inconsciente) é expressa da seguinte maneira: quanto mais contempla, menos vive; quanto mais aceita se reconhecer nas imagens dominantes de necessidade, menos entende sua própria existência e seus próprios desejos.
– Guy Debord, “A Sociedade do Espetáculo”
A banda radical, ao invés de ser um componente da cultura pop rebelde, é tanto um processo quanto um produto dentro da indústria pop; é uma mercadoria que cria a si mesma, de forma contrária a seu real desejo de ser unicamente comunicação. A partir do recrutamento de membros e da formação da banda até o ensaio, o palco, e possivelmente o disco ou fita, este processo é uma produção que se desenvolve como uma mercadoria de entretenimento. Independentemente do fato de a banda ligar um conteúdo subversivo à mercadoria, seu fluxo metodológico é aquele de todas as mercadorias e permanece limitado dentro das sutilezas metafísicas que todas as mercadorias contêm. A fraqueza essencial da banda radical não é que ela tenta acoplar um conteúdo subversivo à mercadoria que é, mas sim que ela falha em subverter a dominação da mercadoria.
Com relação às bem pagas mercadorias da indústria do entretenimento, a única compensação real que a banda radical possui por sua atividade é aquela do sentimento de participação em uma rebelião. Não é importante se a banda se comporta literalmente como uma mercadoria (ou seja, se ela, ou o dono de um clube, requer ou não que seu público pague para vê-la ou se possui discos ou fitas disponíveis), mas que a forma que ela utiliza para sua participação é a forma da mercadoria. É precisamente na forma de mercadoria onde a ausência de participação pode ser localizada. A banda radical mercadificada é a pseudorrealização da necessidade e do desejo de revolta: é a representação da rebelião, uma imagem não viva que reflete, mas não age sobre, a base da revolta. Por sua contínua pseudossatisfação destas necessidades e desejos, ela sublima as possibilidades para atividades reais que poderiam fundamentalmente mudar vidas. A banda radical não participa em rebelião, mas a reduz a um quadro congelado de imagens passivamente absorvidas.
Para o propósito do lucro, a mercadoria é tanto o resultado quanto o objetivo dos meios existentes de produção; ela objetiva nada além da reprodução de si mesma. O reino da mercadoria como uma pseudossatisfação de necessidades e desejos apresenta a separação de indivíduos. Essa separação assegura não somente o retorno da consumidora ou do consumidor, devido à pseudossatisfação, mas também que a mercadoria se torne o foco dessas necessidades e desejos. O espetáculo do entretenimento da rebelião pop provém à espectadora ou ao espectador uma falsa gratificação de desejos: ninguém recebe o desafio de confiar em sua própria pessoa e em sua criatividade e valor interior e não há necessidade de atividade real.
(Nota do autor: este texto foi somente o começo de uma análise bem mais longa [e muito mais detalhada], mas eu me cansei de escrever em solidão. Talvez a impressão destas primeiras seções façam minha atividade mais coletiva, ao invés de isolada e separada.)
Publicado originalmente
como “Reservoir of Poses” em
Hopeless Tasks, nº 1, Seattle, 198?
Traduzido por Cami Álvares Santos