Ecologia, Anarquismo e Esforço Revolucionário

Cami Álvares Santos

 

O anarquismo, por ser fundado sobre princípios éticos antiautoritários, também se posiciona contra o totalitarismo presente na atual relação da humanidade para com o restante da natureza. A hierarquia androantropocêntrica, com o homem no topo e o planeta na base, é uma estrutura absolutista que causa mal a todas as formas de vida, incluindo o ser humano.

Enquanto a religião nos induz a acreditar que somos criaturas divinas colocadas na Terra para que dominemos a tudo o que não é humano, o capitalismo e sua ideologia individualista impede não somente que as pessoas reconheçam outras pessoas como suas aliadas, mas também a natureza.

A exploração e a dominação do ser humano pelo homem gera inevitavelmente a dominação e a exploração da natureza pelo homem. É somente com o fim do Estado patriarcal capitalista e com o surgimento de uma sociedade de política, economia, cultura e moral libertárias e igualitárias que podemos entrar em harmonia com nosso meio.

Além de termos a obrigação ética de respeitarmos o ambiente natural, também precisamos fazê-lo porque do contrário nossa própria existência e a das gerações humanas futuras, assim como o de grande número de espécies, será posta em risco. É por ter se tornado fundamental para a sobrevivência de qualquer sociedade que há atualmente uma (suposta) preocupação burguesa com a questão ambiental. Todavia, esta preocupação é apenas superficial e não busca combater as origens da crise ecológica, pois culpa os indivíduos ao invés do sistema que a provoca.

O movimento ecologista burguês é somente uma forma de esconder o verdadeiro problema por baixo das demagogias ambientalistas do “desenvolvimento sustentável” e do “consumo consciente”, o que na prática só mantém a situação da maneira como ela está. O único efeito dessa política é fazer os indivíduos se sentirem melhor em relação aos processos destrutivos em existência ao invés de questioná-los.

Farsas como o capitalismo verde e o ecofascismo não devem ser levadas a sério. Não é possível tornar justos os sistemas em que vivemos, pois eles são opressores em sua própria essência. Se realmente queremos cessar o massacre da natureza, devemos nos empenhar em uma alternativa verdadeiramente ecológica: a revolução anarquista, catalisadora da queda de todos os sistemas de opressão, etapa inevitável na nossa evolução como espécie social.

Essa nova sociedade pede a horizontalização de nossa relação com o planeta. Assim como o indivíduo e o coletivo não precisam estar em conflito, a espécie humana e a natureza não devem ser vistas como antagonistas. Há uma interconectividade entre todos os seres vivos que os torna dependentes uns dos outros. Ao pararmos de pensar nos seres humanos como a “espécie ariana” e estabelecermos uma relação de apoio mútuo entre nós e o planeta, nos livramos da alienação biológica de que somos vítimas e que nos traz tantos problemas. A abolição das classes sociais é o primeiro passo em direção a uma sociedade ecológica.

Dessa forma, um esforço revolucionário ecológico deve ter as seguintes como metas iniciais:

  • Criação de ecocomunas naturistas baseadas em modelos de permacultura e bioconstrução;
  • Abastecimento das comunidades por meio de agricultura orgânica de subsistência ecológica e diversa;
  • Uso racional da água e dos recursos naturais, combatendo o consumismo e o desperdício através da redução aos níveis essenciais;
  • Melhorias no controle da poluição, na reciclagem de materiais, na compostagem e na produção de energia limpa e renovável;
  • Recuperação das áreas degradadas e preservação dos ecossistemas terrestres, aquáticos e transicionais nativos;
  • Estímulo ao desenvolvimento científico e à geração de novas tecnologias, visando melhor compreender o funcionamento do meio e minimizar o impacto de nossas atividades, tornando-as mais eficientes, simples e acessíveis;
  • Educação ambiental racional e libertária, disseminadora de novos paradigmas ético-ecológicos baseados no respeito e no apoio mútuo;
  • Combate ao androantropocentrismo e ao chauvinismo humano e patriarcal, em direção à libertação total.

Apesar de algumas dessas metas fazerem parte do discurso de alguns grupos atualmente existentes, a maioria deles (incluindo diversos setores revolucionários) não tem compromisso com o quadro completo, mas apenas com algumas peças do quebra-cabeças. A construção dessa consciência é o principal desafio ecoanarquista atual.