Cami Álvares Santos
A maioria das pessoas possui uma concepção errada a respeito do que é anarquismo. Imaginam anarquistas como arruaceiros que fazem atentados a bomba e que se vestem de forma esquisita. Na verdade, estes são apenas estereótipos que foram disseminados por aqueles que não desejam que o povo saiba sobre o que realmente é a ideia anarquista. Somos pessoas normais, que trabalham, que estudam, que têm familiares e amizades, que amam e sofrem, que lutam. A única coisa que nos diferencia é o nosso desejo de libertação.
O anarquismo, também conhecido como socialismo libertário, é um movimento de justiça social, que deseja acima de tudo a liberdade para os indivíduos, buscando, assim, o fim de todas as formas de autoridade, hierarquia e violência. Para isso, propõe a eliminação dos governos, da economia capitalista e de qualquer tipo de exploração, opressão e preconceito. Em seu lugar, deseja a criação de uma sociedade justa e igualitária baseada no respeito e na solidariedade, onde os indivíduos sejam educados para trabalhar de forma ética visando o bem-estar de toda a comunidade. Ao invés das pessoas serem obrigadas a trabalhar para um patrão, detentor das fábricas, das máquinas, dos escritórios e das matérias primas, elas trabalham pra si mesmas, objetivando a satisfação das necessidades da comunidade ao invés do lucro de um superior. A propriedade privada dos meios de produção é abolida e são criados armazéns públicos, para os quais cada pessoa contribui de acordo com sua capacidade e deles recebe de acordo com sua necessidade.
Em uma sociedade anarquista, não há a falsa democracia representativa atual, onde o povo é obrigado a escolher um político como porta-voz. No anarquismo, há democracia direta, onde cada indivíduo representa a si mesmo com a sua própria voz, a qual é ouvida e respeitada em assembleias que reúnem toda a população. O anarquismo objetiva a autonomia do indivíduo e a autogestão da sociedade, com a própria comunidade coordenando sua vida social, política e econômica por meio de coletivos, livres da interferência de autoridades. Dessa forma, não há políticos, pois é o próprio povo quem toma as decisões e as executa coletivamente.
Anarquistas também não acreditam na criação de partidos políticos para a tomada do poder, pois são tanto contra a ditadura do capital quanto contra a ditadura do proletariado marxista. Nós nos organizamos pelo federalismo, onde indivíduos se unem em coletivos, estes coletivos se unem em federações, as federações em confederações, e assim por diante, formando grandes redes internacionais de solidariedade mundial que atravessam quaisquer linhas geográficas imaginárias, sem a necessidade de nenhuma posição de chefia. Milhões de pessoas espalhadas por todo o mundo lutaram pela implementação desta forma de organização social. Entretanto, a resistência anarquista foi enfraquecida no século XX devido principalmente à repressão vinda de regimes totalitários como o fascismo, o marxismo-leninismo e as ditaduras militares, além das severas punições por parte da burguesia capitalista. O movimento atualmente se encontra em fase de reorganização.
Algumas pessoas acreditam que esta seja apenas uma ideia bonita, um sonho muito difícil de ser posto em prática. Entretanto, ao longo da história moderna, esta forma de organização já foi posta em prática algumas vezes, atingindo em alguns casos a participação de até vários milhares de pessoas. No fim do século XIX, a Comuna de Paris adotou vários princípios anarquistas. Algumas décadas depois, em 1936, ocorreu a Revolução Espanhola, o ponto mais alto da história anarquista, em que, mesmo sob ataque dos governos nazi-fascistas, as fábricas e os campos foram coletivizados. Nos dias atuais, o anarquismo é declarado na cidade de Christiania, na Holanda, que existe como independente de qualquer Estado. O anarquismo também tem bastante influência sobre o movimento indígena Zapatista e sobre a Comuna de Oaxaca, ambos no México, assim como no fenômeno das fábricas ocupadas na Argentina e em diversas comunidades espalhadas ao redor do mundo. Pode-se considerar que o anarquismo conquistou até mesmo um feriado internacional, o Primeiro de Maio, instituído em luto pela execução de anarquistas de Chicago em 1886.
No Brasil, uma das primeiras manifestações do espírito libertário pode ser encontrada no Quilombo dos Palmares, o qual apresentou diversos pontos de acordo com os princípios anarquistas. Mais tarde, foi experimentado na Colônia Cecília, a qual reuniu várias famílias imigrantes italianas para uma vida livre e igualitária em uma região camponesa do Paraná, e, posteriormente, em outras comunidades. Nas primeiras décadas do século XX, o movimento anarquista era destaque no movimento operário brasileiro, conseguindo melhorias trabalhistas e fomentando tentativas de revolução. A Greve Geral de 1917 em São Paulo, instigada por anarcossindicalistas, permanece como a maior da história brasileira. Anarquistas também foram responsáveis por gerar uma grande riqueza cultural de temática revolucionária que até hoje é admirada. Na Primeira República, é notável o número considerável de escolas que foram fundadas sobre os modelos da pedagogia libertária. As ditaduras não tiveram sucesso em extinguir o anarquismo brasileiro e o movimento perdura até os dias atuais, estando em crescente ascensão.