Mulher e Trabalho no Domínio do Capital

Laure Akai

 
A posição do trabalho na Polônia no prisma da ideologia neoliberal

A relação das trabalhadoras e dos trabalhadores ao capital é muito clara: seu objetivo é produzir excedentes (lucro) para aqueles que investem dinheiro, para melhorar a qualidade da vida dessas pessoas e aumentar o seu poder de posse, investimento e controle. O dogma neoliberal instilado nas pessoas as convence de que essa é uma relação natural. Além disso, levam trabalhadoras e trabalhadores a crer que os capitalistas estão lhes fazendo um favor ao “criar empregos”. Nos ensinam que devemos implorar e competir com outrem por trabalho, e então obedecer a todas as exigências dos patrões para permanecermos no emprego. Nossa própria existência material depende de nossa vontade e habilidade de satisfazermos as necessidades de nossos empregadores. Nossas próprias necessidades são geralmente adiadas ou esquecidas.

A “solução” a isso proposta pela sociedade que aceitou este esquema é que cada trabalhadora ou trabalhador tente conseguir habilidades especiais que lhe permitam conseguir uma posição melhor na fila para a bicada. Esta é a falsa solução de uma sociedade individualizada que tenta remediar os problemas sociais através de exceções individuais à miséria em massa enquanto mantém o problema intacto. Neste sentido, a mentalidade individualizada não é apenas conveniente para o capital, mas é a pedra fundamental da hierarquia econômica.

Que um problema massivo existe deveria ser óbvio na Polônia, onde a maioria do povo trabalhador vive em salários de subsistência, com pouco excedente, enquanto uma porção se satisfaz com as recompensas extras do trabalho moderno – pequenos confortos pelos quais pagaram custosamente.

Além disso, como o setor público foi atacado por abutres que devoram lucros dos corpos da saúde pública, da educação e da moradia, grandes porções da sociedade se encontram sem acesso a serviços de saúde adequados, com pouca chance de terem um teto seguro e decente sobre suas cabeças, e não serão capazes de proporcionar educação superior para suas filhas e filhos. No entanto, tais problemas são frequentemente descritos como algum infortúnio local particular e culpam a má organização, os políticos ladrões e os administradores públicos. Como a expressão suprema da consciência distorcida, a culpa dos problemas também recai sobre as próprias pessoas que trabalham, as quais supostamente são as culpadas por sua própria situação.

A ideologia com que nos alimentam divide a classe trabalhadora e convence as camadas de melhor posicionamento que o problema da pobreza é a falta de motivação individual, não tendo nada a ver com o sistema.

Ao rompermos através deste estupor ideológico, podemos facilmente ver sua falsidade. Podemos olhar para o trabalho desvalorizado de várias profissões e desmantelar estes mitos. A situação das enfermeiras é um exemplo muito bom. Não há absolutamente nada de errado com o seu trabalho. Elas trabalharam duro para se prepararem para sua profissão, fazem um trabalho bastante pesado e necessário – no entanto, ganham pouco. É absolutamente claro que o problema é a subvalorização da sua labuta na Polônia.

A subvalorização desta labuta está diretamente ligada à ideologia que não valoriza nada que não constitua um veículo produtor de lucro para os negócios. Logo, todo trabalho que é feito para o benefício básico do povo é relegado às margens, os indivíduos que nele trabalham são forçados a receber salários baixos, e lhes dizem que devem ser compensados com o conhecimento de que “estão fazendo algo bom”.

Não é coincidência que na Polônia, como em muitos outros países, tais empregos são desempenhados por mulheres em um grau desproporcional. As trabalhadoras nestas profissões são logo colocadas em dificuldades e devem lutar por sua dignidade e por melhor compensação para o seu trabalho. Entretanto, a dificuldade disso é enorme. Em uma conversa particular, uma das líderes do sindicato das enfermeiras lamentou que há problemas tanto para inspirar a militância entre as mulheres como para ser levada a sério. As enfermeiras foram conhecidas por organizar protestos fortes, mostrando comprometimento e coragem formidáveis – no entanto, elas não têm a “força” de outros setores. Parece que algumas pessoas entenderam a palavra “força” como significando força física; as imagens evocadas são as de mineiros lutando com a polícia ou de trabalhadores de docas queimando pneus no meio da rua. Mas a realidade pode ser um tanto diferente.

As enfermeiras estão em uma situação difícil. Já que elas não querem machucar as pessoas, elas devem entrar em greve sem deixar as camas de pacientes. Mas, afinal, se elas deixassem as camas elas só estariam prejudicando a classe trabalhadora. Os ricos estão em clínicas privadas, assim como os políticos que destroem o sistema. A chave para uma luta de sucesso é, então, amplo apoio social e ação contra o sistema político e econômico que causa o problema. Isso, entretanto, está dolorosamente faltando em nossa sociedade.

A posição das mulheres no trabalho e no movimento operário: é algo específico?

Pode-se tentar argumentar que a posição das enfermeiras não tem nada a ver com seu gênero, mas sim tem a ver com a natureza de seu trabalho e a relação do capital a ela. Todavia, não há como negar que as mulheres terminam em trabalhos desvalorizados muito mais frequentemente que os homens. Então, é uma questão de como tais pessoas, frente à privação material e à insegurança, podem aprimorar sua condição.

Também é válido apontar que todas as estatísticas e pesquisas mostram que, mesmo quando as mulheres se encontram em um emprego um pouco melhor, elas ainda ganham muito menos que os homens e estão mais inclinadas a aceitar outras condições desfavoráveis.

Sociólogas, feministas e outras observadoras apontam para muitos fatores decisivos, tais como uma falta de assertividade entre as mulheres ou alguma resignação silenciosa ao fato de que elas devam pegar o que os outros deixaram de fazer e trabalhar mais, algo aprendido do clássico paradigma do lar polonês onde a Mãe fazia a maior parte do trabalho doméstico e sabia que reclamar disso seria “desagradável”. Esta relação de trabalho desigual no lar ainda é comum, apesar de muitas transformações na sociedade e da aceitação de tal esquema ser o padrão para as atitudes em relação às mulheres e ao seu trabalho.

Outra tendência é evitar o conflito, a qual, apesar de não estar estritamente relacionada ao gênero, é uma pressão que muitas mulheres sentem agudamente. No entanto, a essência da luta operária é o conflito eterno entre o empregador e a empregada ou empregado. É somente através do conflito que a empregada pode começar a lutar por seus interesses. E deve-se ser capaz de sentir força, já que esta luta é frequentemente contra aqueles que possuem consideravelmente mais poder.

Alguma compreensão da situação específica de muitas mulheres no mercado de trabalho pode ser útil para pensarmos sobre o que precisamos fazer para superar certas barreiras de organização. Estas especificidades podem ser generalizadas demais ou podem ser mais ou menos relevantes em diferentes áreas, mas, independentemente destes detalhes, nós devemos lidar com os seguintes fatos: que as mulheres mais frequentemente estão em trabalhos subvalorizados ou com baixo salário; que as mulheres, apesar de sindicalizadas, não tiveram o mesmo sucesso que os homens em forçar suas exigências através de lutas operárias; que o movimento operário ainda é desproporcionalmente dominado por homens.

O movimento anarcossindicalista: enfrentando o problema

Obviamente, o problema da desproporção de gênero em qualquer sindicato ou grupo pode ser dependente de muitos fatores, como a sociedade, o ramo, a composição dos membros existentes ou sua atitude ou abordagem. Mas, de forma geral, a desigualdade de gênero é óbvia. Além disso, apesar de alguns grupos terem boa participação de mulheres, nós vemos em geral que muitas das funções de responsabilidade são predominantemente mantidas por homens.

Pode-se fazer várias teorias sobre o que é responsável pela situação, mas no final a resposta muito provavelmente será um pouco diferente nos diferentes grupos. Na Polônia, nós discutimos essa questão por diversas vezes e tendemos a identificar os seguintes como sendo fatores reais nesta situação:

  • Experiência prévia de sexismo no movimento anarquista e histórico de anarcafeministas se afastando de anarquistas e se aproximando do feminismo liberal e da social-democracia;
  • Ausência geral ou baixa participação de operárias na vida social devido a pressões do trabalho e responsabilidades familiares;
  • Alguns homens possuem certas atitudes sexistas para com as mulheres, não as levando a sério ou as vendo apenas como namoradas em potencial, e mesmo onde as pessoas não são desse jeito este padrão é ensinado e é uma dinâmica repetitiva na vida social;
  • Alguns grupos promovem uma visão antiquada do que é ser um “trabalhador”, evocando imagens de mineiros e trabalhadores braçais, tornando-os o sujeito principal da luta.

Apesar da situação na Polônia ser bem específica e, por certas razões, pior que em vários lugares, sem dúvida alguns destes fatores estão presentes em outros lugares. Então, a questão é: o que nós vamos fazer em relação a isso?

Obviamente, vai ser necessário mais que apenas prestar atenção a quem o sujeito das lutas é. Todavia, isso é um começo. À medida em que as mulheres se tornarem mais proeminentes, as ideias sobre quem pode atuar em uma luta operária muda e as mulheres podem se identificar mais com as histórias que elas ouvem. Mas nós também temos que confrontar as práticas que temos, por exemplo, em nossas reuniões, que podem ser alienantes para as mulheres ou desencorajar a sua participação. O mesmo seria verdadeiro para qualquer outro tipo de pessoa que poderia ter problemas em se integrar na cultura organizativa por qualquer razão: pessoas mais novas ou mais velhas, estrangeiras, forasteiras não conectadas em nenhuma rede social, que possam estar presentes em um grupo.

O Dia Internacional da Mulher possui agora um século de idade. Um século se passou e, apesar das mulheres terem feito grande progresso em algumas áreas, há ainda muito a ser feito. Nesta ocasião, eu, pessoalmente, gostaria de refletir sobre o estado das coisas em nosso movimento e pensar em que podemos fazer e não fazer para não somente facilitar a participação das mulheres, mas também encorajar seu papel mais ativo. Com sorte, este aniversário irá também lembrar muitos dos companheiros e das companheiras ao redor do mundo que nosso movimento, em geral, enfrenta este desafio.

 

Publicado originalmente como
“Women and Labour in the Realm of Capital”
em Strike, nº 19, Varsóvia, março de 2011
Traduzido por Cami Álvares Santos